quarta-feira, março 18

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Não poder viver em parte na tua vida é permitir

à morte viver na minha morte a sua vida inteira.


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quinta-feira, março 12

Ao meu amor, doente

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Não me olhes tão no fundo dos olhos:

amo-te tanto

que de mim próprio tenho ciúmes.


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quarta-feira, março 11

A neve dolorosa

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Rostos. Pequenos rostos

que nos fizeram um dia bater o coração.

Ontem longamente guardados,

hoje facilmente esquecidos

- para sempre abandonados.



Ainda às vezes quando neva nos espreitam

e nos contemplam.

Do lago mais frio da memória

emergem transparentes e vigorosos

restaurando-nos o cântico quebrado

devolvendo-nos a noite perfumada.


Mas já cansados retornam ao oculto

em vago adeus

mergulhando na lágrima não vertida

para serem de novo apenas uma data,

detrito de nós mesmos,

nossa própria solidão.

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(1996)

segunda-feira, março 9

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No teu corpo escuto Deus

Mas só percebo o que me diz

com a ponta dos meus

dedos


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sábado, março 7

Asfixia

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Ao ar


falta-lhe


o teu respirar.



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sexta-feira, março 6



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"Ondulando, os pinhais
quiseram ser o mar"

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Eu não desejei tanto:
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quis apenas ser no teu corpo
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um rio.



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quinta-feira, março 5

Ciência

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Ergui o rosto para o céu.

Nada me revelaram as estrelas

que o teu corpo não

me tivesse dito já.


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quarta-feira, março 4

Frémito

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Ah, suprema delícia
a tua boca sobre o meu peito,
à ombra desta madrugada
que de luz esplende e irradia!


Como crer na aridez do mundo
se a terra se adornou
com o cintilante aroma de teu corpo,
se tudo é oferenda de primavera em teu regaço,
aragem doirada de perpétuo estio;

se o próprio ar ao respirar-te
se fez verde horizonte de fragrâncias,
ganhando um ritmo
de clara dança e harmonia?

Nenhum vento de secura me perturba.
De teus gestos brotam fontes,
água bebo de tua cintura plena
- ó manancial perfeito!-
e aspiro a frescura de tua pele
com a minha a cada instante confundida.

Quando ao amanhecer
se enchem os céus de um clamor de aves peregrinas
de que pura claridade és promessa?

Que brancura se derrama de cada nuvem
imitando a tua nudez a mim aberta?

Por que voam longe de ti os anjos
se a luz perfeita só no teu rosto existe?

Por que o roçar de suas asas não te visita?

Ah, se eu pudesse ao beijar teus lábios
alcançar de vez a tua alma
e negar esta solidão que me chora ainda!

Morro para mim porque te vivo
e nessa vida mais alta e incessante sei que
ao despertar em ti já não existo-
sou apenas o frémito feliz de uma folhagem,
a linha da tua irradiante fronte,
o límpido regato que humildemente te reflecte.


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segunda-feira, março 2

Onda

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Se te pudesse dizer o som vivo

da mais pura claridade

e oferecer o azul raro que mora

no centro da onda que o mar não dissipou,

se a palavra que de mim se desprende,

como halo submerso da alga que verde emerge

para a orla que os teus passos demarcaram,

se a música florisse de minhas mãos

para a carícia que o teu corpo merece,

então o poema ganharia a fria calidez

do cristal que o fogo namorou

e a água beberia em teus lábios

a forma dos beijos que para ti

tantos anos em segredo sonhei.



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