sexta-feira, fevereiro 27

Elo

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Quando a noite descer

serás tu

o meu único elo

com o sol



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quinta-feira, fevereiro 26

Via- Láctea

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Tu contemplas, meu amor, os astros.

Porém, és deles o firmamento.



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quarta-feira, fevereiro 25

Beija-me

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Beija-me com os beijos da tua boca.

Tuas carícias melhores do que o vinho.

E sê-me luz. Luz total. E água.

Profunda água pelo fogo enamorada,

terra que grita exasperada plenitude.

E frescura. Fecundidade.

Árvores frondosas, ramagens,

verde iluminado,

primavera, enfim.



Que aroma de ti parte? Olor a fruto?

Tua pele é jasmim?

Flor de pura laranjeira?

Pétala de alfena e de nardo?

Oh! Tudo! Tudo em ti é perfume

quando ondeias o corpo lindo!

Teus lábios destilam mel,

teus cabelos a essência feliz do rosmaninho.

És carne, apenas?

Mas sem ti como

explicar a razão de haver no mundo claridade?


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sexta-feira, fevereiro 20

consaguinidade

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Há um instante de nudez perfeita

em que o céu e o mar

se tornam tão consaguíneos

que nos é difícil distingui-los.



Assim o meu corpo

se confundisse com o teu.



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quinta-feira, fevereiro 19

Embriaguez

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Toda a tarde bebi vinho.

Mas foi o teu corpo

que me embriagou.



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quarta-feira, fevereiro 18

Incêndio

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Tão alto incêndio

na montanha

que parece chegar ao céu.


Mais alto

o do meu peito :

foste tu que o ateaste.


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terça-feira, fevereiro 17

Posse

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Eu canto a nudez de te possuir

dentro de uma voz que para te dizer se abrasa

mas calo-me como apagada água

ante o fogo que significas.


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segunda-feira, fevereiro 16






Quando a escuridão da noite

toma conta do meu rosto

basta uma carícia tua

para a luz da madrugada

iluminar a minha face.
Claridade
desenho s/papel
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Dá-me o puro cansaço após o amor
à fresca sombra da tarde.
Agora que é ido o desejo, concede-te
este breve instante de paz e repousa.

Toda a minha vida possui isto:
uma boca a brilhar sozinha em meu peito.

Mas a carne é sonho ao tocar-se nela,
ao senti-la fremente em nossos lábios indefesos;
a carne é já cinza, esquecimento,
frio desolador que se anuncia.

Porém, vê como arde a tua boca
negando o vazio que sempre perto nos aguarda;
vê como arde o meu peito
com um resplendor que por ti jamais se apaga.

“Porquê beijar teus lábios se se sabe que a morte
está próxima, se se sabe que amar é esquecer
a vida apenas, fechar os olhos ao sombrio
presente para os abrir aos radiosos limitesde um corpo?”

Porquê respirar esta luz carnal frente ao curso
de um poderoso rio que cruelmente nos ignora
mas onde de súbito uma gota de orvalho esplende
como uma lágrima nossa?

Não, também eu não quero acreditar numa verdade
que nos livros se lê como uma água,
também eu não posso aceitar essa futura agonia
que reduz a um último estertor
a cálida juventude de um amado corpo.

Quero crer, oh sim, crer que a luz que das tuas mãos
se evola subsiste à melodia triste dessa água,
passageira, quero acreditar no talismã vermelho
que pulsa feliz
em meu peito enamorado só porque o teu nome
fulgura nele como uma estrela obstinada,
nesses olhos que não são feridas mas apenas
frescas margens,
que me devolvem, cada dia, incólume,
o azul das ondas
que contra mim, mortais, embatem.




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Esplendor, 2004
Desenho s/papel

Jardim, 2004

desenho s/ Papel





Sem ti

sou apenas este vento

que investe contra

as árvores

e as desfolha longamente

muito antes do outono.






in Vento, sombra de vozes : antologia de poesia ibérica =Viento, sombra de voces : antologia de poesia ibérica / org. Joan Gonper, Pedro Salvado ; prólogo Gabriel Magalhães. Salamanca : Celya, 2004.

Mulher




Mulher que escondes em teu corpo

a alma secreta das paisagens,

com o seu fluir de rios e seus socalcos de pura dádiva e bondade.

Hoje, meu coração, talvez te revele que não serás, como ela, passageira.

Qualquer coisa de ti perdurará

na verde folhagem destas árvores

que vegetalmente te observam

e tua música imitam.

Porque eu te amo és eterna,

vives para além da invalidez do tempo,

és pólen fecundante que o vento não sonega,

pétala de lume a perfumar a brisa desta tarde,

Primavera que de ti própria vi brotar.

E nos céus antes áridos entoam já suaves sinos

anunciando que todos os dias serão agora teus,

só porque os fizeste de seda para mim.



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